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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Hemisfério de uma cabeleira - Charles Baudelaire




Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos,
mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água de uma nascente,
e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
Se tu pudesses saber tudo o que vejo! Tudo o que sinto! Tudo o que ouço nos teus cabelos!

Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e de pele humana.

No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras. Enquanto mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações.