Templates da Lua

Créditos

Templates da Lua - templates para blogs
Essa página é hospedada no Blogger. A sua não é?

domingo, 30 de outubro de 2011

Ain, ain *-*




Dez chamamentos ao amigo
I

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

II

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

III

Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido.

IV

Minha medida? Amor.
E tua boca na minha
Imerecida.
Minha vergonha? O verso
Ardente. E o meu rosto
Reverso de quem sonha.
Meu chamamento? Sagitário
Ao meu lado
Enlaçado ao Touro.
Minha riqueza? Procura
Obstinada, tua presença
Em tudo: julho, agosto
Zodíaco antevisto, página
Ilustrada de revista
Editorial, jornal
Teia cindida.
Em cada canto da Casa
Evidência veemente
Do teu rosto.

V

Nós dois passamos. E os amigos
E toda minha seiva, meu suplício
De jamais te ver, teu desamor também
Há de passar. Sou apenas poeta
E tu, lúcido, fazedor da palavra,
Inconsentido, nítido
Nós dois passamos porque assim é sempre.
E singular e raro este tempo inventivo
Circundando a palavra. Trevo escuro
Desmemoriado, coincidido e ardente
No meu tempo de vida tão maduro.

VI

Foi Julho sim. E nunca mais esqueço.
O ouro em mim, a palavra
Irisada na minha boca
A urgência de me dizer em amor
Tatuada de memória e confidência.
Setembro em enorme silêncio
Distancia meu rosto. Te pergunto:
De Julho em mim ainda te lembras?
Disseram-me os amigos que Saturno
Se refaz este ano. E é tigre
E é verdugo. E que os amantes
Pensativos, glaciais
Ficarão surdos ao canto comovido.
E em sendo assim, amor,
De que me adianta a mim, te dizer mais?

VII

Sorrio quando penso
Em que lugar da sala
Guardarás o meu verso.
Distanciado
Dos teus livros políticos?
Na primeira gaveta
Mais próxima à janela?
Tu sorris quando lês
Ou te cansas de ver
Tamanha perdição
Amorável centelha
No meu rosto maduro?
E te pareço bela
Ou apenas te pareço
Mais poeta talvez
E menos séria?
O que pensa o homem
Do poeta? Que não há verdade
Na minha embriaguez
E que me preferes
Amiga mais pacífica
E menos aventura?
Que é de todo impossível
Guardar na tua sala
Vestígio passional
Da minha linguagem?
Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?

VIII

De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura
Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.
Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem
Enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando
- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça.

IX

Esse poeta em mim sempre morrendo
Se tenta repetir salmodiado:
Como te conhecer, arquiteto do tempo
Como saber de mim, sem te saber?
Algidez do teu gesto, minha cegueira
E o casto incendiado momento
Se ao teu lado me vejo. As tardes
Fiandeiras, as tardes que eu amava,
Matéria de solidão, íntimas, claras
Sofrem a sonolência de umas águas
Como se um barco recusasse sempre
A liquidez. Minhas tardes dilatadas
Sobreexistindo apenas
Porque à noite retomo minha verdade:
teu contorno, teu rosto álgido sim
E por isso, quem sabe, tão amado.

X

Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinquenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença.


Hilda Hilst

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Hemisfério de uma cabeleira - Charles Baudelaire




Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos,
mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água de uma nascente,
e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
Se tu pudesses saber tudo o que vejo! Tudo o que sinto! Tudo o que ouço nos teus cabelos!

Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e de pele humana.

No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras. Enquanto mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Milton Hatoum








Exílio

Dezembro, 1969


M.A.C. decidiu ir a pé até a rodoviária: comeria um pastel e seguiria para a W3. Numa tarde assim, seca e ensolarada, dava vontade de caminhar, mas preferi pegar o ônibus uma hora antes do combinado: saltaria perto do hotel Nacional, desceria a avenida contornando as casas geminadas da W3. A cidade ainda era estranha para mim: espaço demais para um ser humano, a superfície de barro e grama se perdia no horizonte do cerrado. A Asa Norte estava quase deserta, era sexta-feira, e só às três da tarde alguns estudantes saíram dos edifícios mal conservados. Do campus vinham os mais velhos: universitários, professores, funcionários, a turma escaldada. A liderança era invisível, os mais perseguidos não tinham nome: surgiam no momento propício, discursavam, sumiam.

Valmor não quis ir: medo, só isso. Medo de ser preso, disse ele.

Zombavam do Valmor, escarneciam do M.A.C., medroso como um rato, mas agora até o M.A.C. sairia da toca e quem sabe se na próxima vez Valmor...

A revolta se irmanava ao medo, às vezes ao horror, mas a multidão nos protegia e naquela tarde éramos milhares. Os militares esperaram o tumulto explodir na W3, depois veio o cerco e quase perfeito: nas extremidades e laterais da avenida, nos dois Eixos e nos pontos de fuga da capital. Às cinco ouvimos os discursos relâmpagos, urramos as palavras de ordem, pichamos paredes e distribuímos panfletos. A dispersão começou antes de escurecer. Ninguém iria ao Beirute, um bar visado pela policia, nem ao Eixo Rodoviário, uma praça de guerra. No corre-corre saí da W3, passei pelos fundos de lojas e bares, tentando caminhar sem alarde, assobiando, e o céu ainda azul era a paisagem possível. Nunca olhar para trás nem para os lados, nunca se juntar a outros manifestantes, fingir que todos os outros são estranhos: instruções para evitar gestos suspeitos. Até então nenhum rosto conhecido, e a catedral inacabada e o Teatro Nacional não estavam tão longe. Ficaria por ali à espera noite, anunciada pela torre iluminada.

A dispersão e a correria continuavam, e o mais prudente era ficar sentado no gramado da 302 ou da 307 e assistir ao bate-bola das crianças. Amanhã um passeio de bote com Liana no lago Paranoá, domingo a releitura de "Huit-Clos" [de Sartre] para o ensaio da peça. Se viver fosse apenas isso e se a minha voz (e não a de outro) gritasse meu próprio nome, duas, três vezes... Assustado, reconheci a voz de M.A.C., o corpo cambaleando em minha direção. A rua e a quadra comercial foram cercadas como num pesadelo, tentar fugir ou reagir seria igualmente desastroso. Depois de chutes e empurrões, eu e o meu colega rumamos para desconhecido. M.A.C. quis saber para onde íamos, uma voz sem rosto ameaçou: calado, mãos para trás e cabeça entre as pernas.

O trajeto sinuoso, as curvas para despistar o destino da viatura, manobras que apenas imaginávamos e agora estava acontecendo. Pobre M.A.C., era o mais retraído da segunda série, misterioso como um bicho esquisito. Tremia ao meu lado, parecia chorar e continuou a tremer quando saltamos da viatura e escutei sua voz fraca: sou menor de idade, e logo uma bofetada, a escolta, o interrogatório. Ainda virou a cabeça, o rosto pedindo socorro...

Não o vi mais na noite longa. Eu também era menor de idade e escutei gritos de dor no outro lado de uma porta que nunca foi aberta. Em algum lugar perto de mim, alguém podia estar morrendo, e essa conjetura dissipou um pouco do meu medo. Na noite do dia seguinte, me deixaram na estrada Parque Taguatinga-Guará. A inocência, a ingenuidade e a esperança, todas as fantasias da juventude tinham sido enterradas.

Na segunda-feira, M.A.C. não foi ao colégio nem compareceu aos exames. Mais um desaparecido naquele dezembro em que deixei a cidade. Durante muito tempo a memória dos gritos de dor trazia de volta o rosto assustado do colega.

Trinta e dois anos depois, na primeira viagem de volta à capital, encontrei um amigo de 1969 e perguntei sobre M.A.C.

"Está morando em São Paulo", disse ele. "Talvez seja teu vizinho."

"Pensei que tivesse morrido."

"De alguma forma ele morreu. Sumiu do colégio e da cidade, depois ressuscitou e foi anistiado."

"Exílio", murmurei.

"Delação", corrigiu Carlos Marcelo. "M.A.C. era um dedo-duro. Entregou muita gente e caiu fora."

Senti um calafrio, ou alguma coisa que lembra o medo do passado.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Rafael Sica e suas tiras ordinárias.

Quando vi o site com as tirinhas do Sica, eu me apaixonei. Divido, então, o encanto que é a perturbação causada pelo traço desse moço: 

































http://www.flickr.com/photos/sicarafael/
http://rafaelsica.zip.net/

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Gih no céu com os diamantes.







Conto Duplo

Quando a viu, o crepúsculo já se deitava sobre as ruas daquela cidade. Mas não, não sabia que era crepúsculo, pois havia acabado de desembarcar do metrô. Vinha do primeiro dia de trabalho. Daí iniciou-se a rotina. Todo dia a via no mesmo vagão de trem. Pelo menos era o que parecia. Depois muito pensou e se deu conta que era o mesmo porque sempre embarcava no vagão próximo da escada que dava acesso a plataforma dois. Quando ele entrava no trem do metrô, ela já estava sentada. Ele sempre tinha que ir em pé naquela altura do trajeto. De onde vinha, e pra onde iria? Porque ele descia e ela continuava a viagem, mais além do que ele podia ir. Reparava que sempre lia algum ou outro livro. Escutava algo com fones de ouvido brancos. As mechas do cabelo castanho brincavam com o vento que vinha quando o metrô abria as portas. O que mais o intrigava era que ela era religiosamente mergulhada na leitura. Não levantava o rosto por nada, era totalmente focada ao livro. Ele talvez esperasse que ela retribuísse um olhar, pra poder ver direito a cor de seus olhos. Mas ela permanecia imersa em sua leitura. Ele foi promovido, senhoras e senhores, em apenas um mês e meio de trabalho. Nesse glorioso dia, no metrô ele achou que devia compartilhar a felicidade. Mas ela pertencia ao livro. Tamanha empolgação o fez quebrar a rotina: as portas fecharam e ele não desembarcou onde costumava desembarcar. Permaneceu no vagão, atento aos gestos dela. Passaram algumas estações. Ela fechou o livro, colocou dentro da mochila, se levantou e saiu. Permanecia distraída com os fones no ouvido. E ele a seguiu pela estação. Saiu pelas ruas, um novo mundo naquele meio da cidade que desconhecia e a sensação que ele sentia era uma coisa complexa e maravilhosa. Ela caminhava apressadamente, os cabelos sempre em movimento, os transeuntes passavam de um lado para o outro. Os pingos de suor começaram a despencar da testa, um calor inundava a camisa social azul dele. Começou a se perguntar se valeria mesmo a pena estar ali, andando naquele lugar atrás de uma desconhecida que talvez nunca viesse a ter com ele. Mas não, não desistiria. Não desistiu no emprego e foi promovido, pensava que todo esforço era recompensado, hora ou outra. E ela simplesmente sumiu. Não viu se entrou em alguma casa ou travessa. Foi envolto em desalento e fez todo o caminho de volta a estação de metrô.

Quando acordou, o sol já entrava pelas frestas de seu quarto. Ela acordou tendo a impressão de que havia dormido só por alguns minutos, mas quando olhou para o relógio, percebeu que tinha dormido a noite toda. De repente, sua pulsação saltou e ela começou a suar, pois se lembrou: dia de vestibular. O ano todo estudara pra isso, dedicara cada dia pelo que decidiria seu futuro. Cumpriu sua rotina matinal diária, toda tensa e foi para o prédio onde seria aplicada a prova.  Já pela noite, entrou no site onde seria publicado o gabarito da prova. Saiu gritando pela casa. Os pais congratularam a nova caloura. Quando percebeu, já fazia parte de sua rotina passar noites fazendo trabalhos intermináveis, exercícios e suando com as provas de final de semestre. Uma pilha de livros, aproveitava a volta da faculdade para ler, dentro do metrô.  Numa dessas tardes, percebeu que um rapaz, trajando roupa social, com um semblante de nervosismo e estresse, a olhava. Era todo desastrado. Tinha certeza que ele nem percebera que o olhava por entre vezes que se distraia. Parecia um bom rapaz. Teria correspondido seu olhar, mas conhecera Marcos na faculdade. Eles começaram a sair.

Desencanou por algumas semanas. Mas sem perceber já estava dentro do vagão olhando-a ler. O trabalho o estressava demais agora, tudo o que queria era sair e fazer coisas que o fizesse esquecer o mundo dos negócios. As portas se abriram e ele parou diante delas, os outros passageiros reclamaram que queriam sair. Ele resolveu não sair. Continuou no vagão de metrô que seguiu rapidamente. Já podia se sentar, e sentou-se distante dela, mas a olhava de soslaio. Era a mulher da vida dele, sim, era quem esperava por toda a vida. Aprendeu a segui-la discretamente. Agora já sabia onde era sua casa. Todos os dias acompanhava-a, sempre mantendo certa distancia claro, até o sobradinho branco e vermelho. Foi se habituando ao bairro, tranqüilo bairro arborizado e com casas com jardins minuciosamente bem cuidados. Mas ele sabia que estava perdendo tempo, tinha que fazer alguma coisa, conversar com ela, trocar as experiências do dia a dia, se apaixonarem e cuidar de combinar de tomar algo no fim de semana, ao invés de persegui-la. Mas sentia-se tão impotente diante daquela criatura tão adorável e delicada. Precisava de coragem. Soube depois de duas semanas onde encontrar isso. Depois do trabalho, comprou uma garrafa dessa coragem e como era fraco pra bebida, ficou corajoso como nunca havia ficado antes. Sentia-se capaz de tudo, com o poder nas mãos.

Uma intensa semana para ela. Além da faculdade, arrumou um emprego numa livraria. O emprego era ótimo, mas agora já não havia tempo para nada. Estava exausta, mas continuava firme. Dormia pouco. Quando podia sair, se encontrava com Marcos. Tão gentil o rapaz, lhe dava presentes delicados, tratava-a como uma verdadeira dama. Estava esperançosa de que ele a pedisse em namoro. Mesmo sem tempo, precisava de alguém. Tão distraída, quase havia esquecido o rapaz que a olhava no metrô. Tanta gente que ia e vinha e depois de tempos ele era o único rosto ainda conhecido. Ela tinha vontade de conversar com ele. Sentia-se desconfortável pela maneira como ele a olhava, porque estava saindo com Marcos. Mas no fundo sentia uma vontade de ter a amizade dele.

Agora ele se enchia tanto de coragem, que fez disso um hábito. E esse hábito lhe trouxe conseqüências. Foi demitido do ótimo emprego que tinha, pois seu desempenho desabou. Não podia nem pensar em dar a notícia para a mãe. E não deu. Todo dia acordava no mesmo horário, colocava a roupa social e saía, fingindo ir para o emprego que não mais tinha. Ficava andando pela cidade, olhando as coisas, e bebia um pouco de coragem às vezes. À tarde, pegava o mesmo metrô no conhecido horário, tudo pra poder ver ela. Foi se consumindo e consumindo o dinheiro do seguro desemprego. Um dia, prestes ao seguro ficar esgotado, resolveu. Precisou agora não de uma, mas de três garrafas de coragem. Ele não desceu na estação que devia e esperou no metrô até ela sair, pra sair junto. Seguiu-a saindo da estação. No estado em que estava talvez não estivesse tão discreto como costumara ser. Então ela se virou pra vê-lo. Ele viu um sorriso, talvez até uma piscada de olho. Já não existia mundo ao redor. Então ele apertou o passo. Ouviu-a gritar. Estava chamando-o. Mas porque não parava? Estava convidando para ir a casa dela, sim. Não pensava que ela era tão atrevida. Mas embarcou na dela. Isso só podia ser amor, e um amor recíproco, o que era muito raro nesses tempos modernos. Então ele se viu numa cena de filme, daqueles românticos: ela corria pelas ruas, e o seu amado corria atrás de sua donzela, pronto para amá-la. Então ela chegou ao sobradinho branco e vermelho. Mas fechou a porta. Ele entendeu o jogo. Bateu na porta. Ouviu-a dizer pra ele entrar, que estava esperando-o. Eles então correram para o quarto. Ela parecia muito excitada com a situação, porque o arranhava nos braços, como um animal selvagem, e gritava, gemia alto. Isso o deixava louco. E ele viu sangue. Ela era virgem, pensou. E ali estava o sangue de sua inocência. Agora talvez ele tivesse que se casar com ela. Pensou onde morariam e como seriam felizes contando um para o outro sobre seu o dia. E quem sabe teriam um pequeno. Pensou nisso tudo enquanto ela dormia serenamente, com o sangue de sua pura inocência derramado ao lado dela.

Era uma manhã clara, uma manhã quente e todos pareciam nervosos. Nas testas via-se escorrer o suor. De algumas bocas, escorregavam palavras, polidas, termos. O juiz inquiriu a testemunha, pedindo para ela alegar os fatos de acordo com a realidade. A mulher era simples e descreveu aquele dia.
- Eu tava passando na rua naquela tarde né. Eu vinha do mercado. Aí eu percebi que a moça tava nervosa, e aquele sujeito tava seguindo ela, falando umas atrocidades, eu fiquei assustada (...). Eu não fiz nada. O que eu podia fazer? A gente vê tanto disso hoje em dia, me dá medo de pensar no que ele poderia fazer comigo. Ai eu vi agarrando ela, e ela gritando e outras pessoas viram também. Mas ele parecia bêbado e perigoso. Eu chamei a policia depois disso.
E tudo isso era verdade. Depois um policial da perícia que falou. Falou que a porta do sobradinho branco e vermelho tinha sinais de arrombamento. Disse também que foi violentada tanto física como sexualmente. Sangrou até a morte na cama da mãe. Os vizinhos ouviram os gritos e chamaram a polícia. Mas era tarde, quando chegaram, a moça estava morta e um rapaz de roupa social, suado e ensangüentado e visivelmente alterado pela ação da bebida, acariciava os cabelos da vítima e parecia muito tranqüilo.

O texto é do Gih, mais textos dele aqui: http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=85227


Recomendo mil, mil, mil vezes. 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Não resisto.

Sei que a música tá cansadinha, ou talvez só pra mim que já furei discos por ouvi-la milhares de vezes. Mas que clipe é esse, meu bem?
a Cañas e o Reis, é o ouro.





ô duas criaturas lindas.