Templates da Lua

Créditos

Templates da Lua - templates para blogs
Essa página é hospedada no Blogger. A sua não é?

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Gih no céu com os diamantes.







Conto Duplo

Quando a viu, o crepúsculo já se deitava sobre as ruas daquela cidade. Mas não, não sabia que era crepúsculo, pois havia acabado de desembarcar do metrô. Vinha do primeiro dia de trabalho. Daí iniciou-se a rotina. Todo dia a via no mesmo vagão de trem. Pelo menos era o que parecia. Depois muito pensou e se deu conta que era o mesmo porque sempre embarcava no vagão próximo da escada que dava acesso a plataforma dois. Quando ele entrava no trem do metrô, ela já estava sentada. Ele sempre tinha que ir em pé naquela altura do trajeto. De onde vinha, e pra onde iria? Porque ele descia e ela continuava a viagem, mais além do que ele podia ir. Reparava que sempre lia algum ou outro livro. Escutava algo com fones de ouvido brancos. As mechas do cabelo castanho brincavam com o vento que vinha quando o metrô abria as portas. O que mais o intrigava era que ela era religiosamente mergulhada na leitura. Não levantava o rosto por nada, era totalmente focada ao livro. Ele talvez esperasse que ela retribuísse um olhar, pra poder ver direito a cor de seus olhos. Mas ela permanecia imersa em sua leitura. Ele foi promovido, senhoras e senhores, em apenas um mês e meio de trabalho. Nesse glorioso dia, no metrô ele achou que devia compartilhar a felicidade. Mas ela pertencia ao livro. Tamanha empolgação o fez quebrar a rotina: as portas fecharam e ele não desembarcou onde costumava desembarcar. Permaneceu no vagão, atento aos gestos dela. Passaram algumas estações. Ela fechou o livro, colocou dentro da mochila, se levantou e saiu. Permanecia distraída com os fones no ouvido. E ele a seguiu pela estação. Saiu pelas ruas, um novo mundo naquele meio da cidade que desconhecia e a sensação que ele sentia era uma coisa complexa e maravilhosa. Ela caminhava apressadamente, os cabelos sempre em movimento, os transeuntes passavam de um lado para o outro. Os pingos de suor começaram a despencar da testa, um calor inundava a camisa social azul dele. Começou a se perguntar se valeria mesmo a pena estar ali, andando naquele lugar atrás de uma desconhecida que talvez nunca viesse a ter com ele. Mas não, não desistiria. Não desistiu no emprego e foi promovido, pensava que todo esforço era recompensado, hora ou outra. E ela simplesmente sumiu. Não viu se entrou em alguma casa ou travessa. Foi envolto em desalento e fez todo o caminho de volta a estação de metrô.

Quando acordou, o sol já entrava pelas frestas de seu quarto. Ela acordou tendo a impressão de que havia dormido só por alguns minutos, mas quando olhou para o relógio, percebeu que tinha dormido a noite toda. De repente, sua pulsação saltou e ela começou a suar, pois se lembrou: dia de vestibular. O ano todo estudara pra isso, dedicara cada dia pelo que decidiria seu futuro. Cumpriu sua rotina matinal diária, toda tensa e foi para o prédio onde seria aplicada a prova.  Já pela noite, entrou no site onde seria publicado o gabarito da prova. Saiu gritando pela casa. Os pais congratularam a nova caloura. Quando percebeu, já fazia parte de sua rotina passar noites fazendo trabalhos intermináveis, exercícios e suando com as provas de final de semestre. Uma pilha de livros, aproveitava a volta da faculdade para ler, dentro do metrô.  Numa dessas tardes, percebeu que um rapaz, trajando roupa social, com um semblante de nervosismo e estresse, a olhava. Era todo desastrado. Tinha certeza que ele nem percebera que o olhava por entre vezes que se distraia. Parecia um bom rapaz. Teria correspondido seu olhar, mas conhecera Marcos na faculdade. Eles começaram a sair.

Desencanou por algumas semanas. Mas sem perceber já estava dentro do vagão olhando-a ler. O trabalho o estressava demais agora, tudo o que queria era sair e fazer coisas que o fizesse esquecer o mundo dos negócios. As portas se abriram e ele parou diante delas, os outros passageiros reclamaram que queriam sair. Ele resolveu não sair. Continuou no vagão de metrô que seguiu rapidamente. Já podia se sentar, e sentou-se distante dela, mas a olhava de soslaio. Era a mulher da vida dele, sim, era quem esperava por toda a vida. Aprendeu a segui-la discretamente. Agora já sabia onde era sua casa. Todos os dias acompanhava-a, sempre mantendo certa distancia claro, até o sobradinho branco e vermelho. Foi se habituando ao bairro, tranqüilo bairro arborizado e com casas com jardins minuciosamente bem cuidados. Mas ele sabia que estava perdendo tempo, tinha que fazer alguma coisa, conversar com ela, trocar as experiências do dia a dia, se apaixonarem e cuidar de combinar de tomar algo no fim de semana, ao invés de persegui-la. Mas sentia-se tão impotente diante daquela criatura tão adorável e delicada. Precisava de coragem. Soube depois de duas semanas onde encontrar isso. Depois do trabalho, comprou uma garrafa dessa coragem e como era fraco pra bebida, ficou corajoso como nunca havia ficado antes. Sentia-se capaz de tudo, com o poder nas mãos.

Uma intensa semana para ela. Além da faculdade, arrumou um emprego numa livraria. O emprego era ótimo, mas agora já não havia tempo para nada. Estava exausta, mas continuava firme. Dormia pouco. Quando podia sair, se encontrava com Marcos. Tão gentil o rapaz, lhe dava presentes delicados, tratava-a como uma verdadeira dama. Estava esperançosa de que ele a pedisse em namoro. Mesmo sem tempo, precisava de alguém. Tão distraída, quase havia esquecido o rapaz que a olhava no metrô. Tanta gente que ia e vinha e depois de tempos ele era o único rosto ainda conhecido. Ela tinha vontade de conversar com ele. Sentia-se desconfortável pela maneira como ele a olhava, porque estava saindo com Marcos. Mas no fundo sentia uma vontade de ter a amizade dele.

Agora ele se enchia tanto de coragem, que fez disso um hábito. E esse hábito lhe trouxe conseqüências. Foi demitido do ótimo emprego que tinha, pois seu desempenho desabou. Não podia nem pensar em dar a notícia para a mãe. E não deu. Todo dia acordava no mesmo horário, colocava a roupa social e saía, fingindo ir para o emprego que não mais tinha. Ficava andando pela cidade, olhando as coisas, e bebia um pouco de coragem às vezes. À tarde, pegava o mesmo metrô no conhecido horário, tudo pra poder ver ela. Foi se consumindo e consumindo o dinheiro do seguro desemprego. Um dia, prestes ao seguro ficar esgotado, resolveu. Precisou agora não de uma, mas de três garrafas de coragem. Ele não desceu na estação que devia e esperou no metrô até ela sair, pra sair junto. Seguiu-a saindo da estação. No estado em que estava talvez não estivesse tão discreto como costumara ser. Então ela se virou pra vê-lo. Ele viu um sorriso, talvez até uma piscada de olho. Já não existia mundo ao redor. Então ele apertou o passo. Ouviu-a gritar. Estava chamando-o. Mas porque não parava? Estava convidando para ir a casa dela, sim. Não pensava que ela era tão atrevida. Mas embarcou na dela. Isso só podia ser amor, e um amor recíproco, o que era muito raro nesses tempos modernos. Então ele se viu numa cena de filme, daqueles românticos: ela corria pelas ruas, e o seu amado corria atrás de sua donzela, pronto para amá-la. Então ela chegou ao sobradinho branco e vermelho. Mas fechou a porta. Ele entendeu o jogo. Bateu na porta. Ouviu-a dizer pra ele entrar, que estava esperando-o. Eles então correram para o quarto. Ela parecia muito excitada com a situação, porque o arranhava nos braços, como um animal selvagem, e gritava, gemia alto. Isso o deixava louco. E ele viu sangue. Ela era virgem, pensou. E ali estava o sangue de sua inocência. Agora talvez ele tivesse que se casar com ela. Pensou onde morariam e como seriam felizes contando um para o outro sobre seu o dia. E quem sabe teriam um pequeno. Pensou nisso tudo enquanto ela dormia serenamente, com o sangue de sua pura inocência derramado ao lado dela.

Era uma manhã clara, uma manhã quente e todos pareciam nervosos. Nas testas via-se escorrer o suor. De algumas bocas, escorregavam palavras, polidas, termos. O juiz inquiriu a testemunha, pedindo para ela alegar os fatos de acordo com a realidade. A mulher era simples e descreveu aquele dia.
- Eu tava passando na rua naquela tarde né. Eu vinha do mercado. Aí eu percebi que a moça tava nervosa, e aquele sujeito tava seguindo ela, falando umas atrocidades, eu fiquei assustada (...). Eu não fiz nada. O que eu podia fazer? A gente vê tanto disso hoje em dia, me dá medo de pensar no que ele poderia fazer comigo. Ai eu vi agarrando ela, e ela gritando e outras pessoas viram também. Mas ele parecia bêbado e perigoso. Eu chamei a policia depois disso.
E tudo isso era verdade. Depois um policial da perícia que falou. Falou que a porta do sobradinho branco e vermelho tinha sinais de arrombamento. Disse também que foi violentada tanto física como sexualmente. Sangrou até a morte na cama da mãe. Os vizinhos ouviram os gritos e chamaram a polícia. Mas era tarde, quando chegaram, a moça estava morta e um rapaz de roupa social, suado e ensangüentado e visivelmente alterado pela ação da bebida, acariciava os cabelos da vítima e parecia muito tranqüilo.

O texto é do Gih, mais textos dele aqui: http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=85227


Recomendo mil, mil, mil vezes. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário